Filosofia Clínica

O que é a Filosofia Clínica?

Para melhor responder essa pergunta, foram selecionados alguns trechos do livro A escuta e o silêncio: a história de Laura – Terapia em Filosofia Clínica (4ª ed., Editora Mikelis, 2020). Um trabalho que explica a teoria e a prática da Filosofia Clínica, com um estudo de caso. Naturalmente, uma resposta mais satisfatória reivindica uma leitura atenta ao conjunto da obra.

"Filosofia Clínica é um novo método de fazer terapia, fundamentado nas teorias filosóficas acadêmicas, surgido, na década de 80, da prática clínica do filósofo brasileiro Lúcio Packter... Uma terapia filosófica muito distante do ranço moral do mero aconselhamento e que, por não trabalhar com doenças ou distúrbios comportamentais de natureza exclusivamente psíquica, tipologias abstratas, estruturas inflexíveis e universais etc., igualmente se afasta do conceito psicopatológico de cura ou da necessidade a priori de equilíbrio ou de bem-estar..."

"Para além ou aquém das causas orgânicas ou de questões médicas em geral, é importante dizer: a Filosofia Clinica não cura, cuida. Com ênfase, trata-se de uma práxis filosófica e pode ser tomada como o mais radical exercício prático de alteridade já elaborado até hoje. É um aprendizado terapêutico duplo: o da escuta existencial e o da rejeição ética a toda forma de silenciamento do direito inalienável de duas ou mais pessoas coexistirem e expressarem livremente a maneira de ser de cada uma". (p. 18-9)

"A Filosofia Clínica, em sua face talvez mais importante, é uma das mais extraordinárias práxis de alteridade da nossa época, que trouxe às psicoterapias todas as visões de mundo já pensadas nesses 2.500 anos de filosofia. Por tratar-se de uma autêntica reflexão aberta, crítica a si mesma, ela é capaz de entender a subjetividade de quaisquer indivíduos sem fugir a uma só manifestação existencial singular de ninguém. Novas filosofias que ainda hão de surgir, endossando possibilidades, só intensificarão seu grau de escuta e o diálogo com as diferenças". (p. 67-8)

Quais as relações e diferenças entre a Filosofia Clínica e a(s) Psicologia(s)?

"Sempre houve um caráter terapêutico na filosofia, um autêntico cuidar do ser na formação humana, desde a Paideia dos gregos antigos, quando ainda não havia a secção moderna a separar teoria e prática... Seria um grande erro pensar que a Filosofia Clínica não é filosofia simplesmente por acreditar que ela se apossaria indevidamente das verdades psicológicas, dos mapeamentos e diagnoses das psicologias, como se ela se pretendesse científica. Bem mais adequado seria dizer que as psicologias são antes uma forma de filosofia..." (p.63-4).

"Conquanto a Filosofia Clínica, a psiquiatria, as psicologias e as psicanálises se fundamentem na filosofia e tirem conclusões filosóficas, somente a primeira é capaz de uma releitura de toda a tradição filosófica em seus próprios procedimentos técnicos. A força presente nas consequências disso reside na potência de conhecimento e de coesão no tratamento de conflitos filosóficos de natureza existencial. Não poderia haver maior equívoco ao acreditar-se que os dramas íntimos são questões exclusivas dos foros das psicologias. Por certo não. Há importantíssimas questões filosóficas concernentes à relação entre a mente e as estruturas do mundo que a envolvem. Isso justifica o posicionamento e a definição de conceitos tais como ‘indivíduo-coletividade’, ‘alma-corpo’, ‘vontade’, ‘ilusão’, ‘verdades subjetivas’, ‘morte’, ‘eutanásia’ etc. Por fim, até as questões psicológicas devem, antes, ser fundamentadas pela filosofia, em busca do entendimento e da transformação do que é ou se denomina ‘realidade’...

"A Filosofia Clínica procura, antes, desfazer falsos problemas existenciais, derivados de uma certa forma de pensar as teorias da psique humana. Na resolução de problemas psicológicos, antes é preciso saber se o problema foi bem elaborado, no nível das definições e dos encaminhamentos. Afinal, de que vale a solução correta... do problema errado? E para que formular perguntas cujas respostas nunca poderão ser honestamente conhecidas? Quantas e quantas vezes a resposta e o fácil alívio de um sintoma psicológico veio justamente mascarar uma pesquisa de causas mais profundas, de natureza filosófica? (...) nas raízes de uma aparentemente simples demanda clínica, há importantes questões epistemológicas, de linguagem, de estética, de lógica, instâncias metafísicas, contendas éticas, cujo abandono não apenas falta com a verdade, mas também, e sobretudo, com o amor...

"Diferentemente das psicoterapias, em filosofia não se pode dizer que um sistema de pensamento seja refutado, superado ou trocado por outro melhor; exceto, claro, se o sistema foi mal elaborado, constituindo-se, portanto, portanto, má filosofia. Cada teoria filosófica possui tal coerência de raciocínio e concordância de ideias, segundo seus próprios postulados e regras lógicas, que a torna inegável. Divergências e críticas a partir de outros princípios não lhes retiram os fundamentos, apenas abrem novas perspectivas sobre o real. Que a atividade filosófica se torne eficaz e tenha um alcance terapêutico em nada implica quaisquer formas de cura, embora possa haver coincidência em alguma comparação. O que faz o filósofo clínico é outra coisa: entender a natureza dos problemas existenciais daquele que o procura e ajudá-lo em seu livre-arbítrio, ante as múltiplas e difíceis escolhas da vida. É o caráter epistêmico, pedagógico e sobretudo ético dessa filosofia que lhe permite um método terapêutico" (p.66-7).

"Qual então a diferença entre os ‘tipos psicológicos’ tradicionais e os ‘tipos existenciais’ examinados pela Filosofia Clínica? Packter, investigando as forças de vinculação existencial entre a malha intelectiva do indivíduo e as múltiplas estruturações psíquicas do pensamento coletivo – suas leis de fluxos, trações, saltos, sustentabilidade e outros – não predetermina a malha intelectiva da psique individual à nenhuma tipologia fixa do psiquismo; não postula ou defende quaisquer verdades absolutas a respeito; e admite, na atuação da terapia, a possibilidade de alterar-se o tipo existencial da psique do indivíduo de acordo e nos limites como ele se reposiciona em relação aos grupos e às realidades afins. Isso, sem jamais perder ou diminuir o peso da singularidade específica de cada partilhante, reconhecida pela sua irrepetível historicidade. É desse modo que Lúcio também investiga a estrutura dos eventos coletivos, dos fenômenos transversais e até mesmo das manifestações transcendentes à condição humana habitual..." (p. 91-2).

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