O ensino terapêutico da filosofia na universidade: a formação de ignorantes sem culpas

Ensino Terapeutico da Filosofia (2)

17

07

O ensino terapêutico da filosofia na universidade: a formação de ignorantes sem culpas

Will Goya, filósofo clínico

 

Publicado em FRAGMENTOS DE CULTURA (Goiânia, v. 18, n 2, p. 239-246, mar./abr. 2008. ISSN 1983-7828).

 

 

Resumo: O método ainda usual de avaliação acadêmica, universitária, de herança escolar, está profundamente carregado de “má-fé”, da moralidade da culpa e da acusação. Um processo amargo e confortável de uma sociedade habituada à infelicidade. Neste contexto a filosofia pode assumir, em sala de aula, uma função terapêutica e pedagógica: a de ensinar o homem a ser mais humano.

Palavras-chave: alienação, avaliação universitária, filosofia terapêutica.

 

Abstract: The still usual method of academic, university evaluation, of school heritage, is deeply loaded of “bad-faith”, the morality of the guilt and the accusation. A process bitter and comfortable in a society accustomed to misfortune. In this context, the philosophy can assume, in classroom, a therapeutical and pedagogical function: to teach the man to be more human.

Key words:  alienation, university evaluation, therapeutical philosophy.

 

 

 

Embora muitas vezes não sabemos explicar exatamente o quê, nem o porquê, quase todos nós sentimos que alguma coisa está errada em nossas vidas. Não encontramos palavras ou gestos suficientemente grandes e adequados para expurgar do peito essa sutil pedra de infelicidade generalizada, cotidiana, chamada sentimento de vazio existencial. É como se toda a nossa visão materialista do mundo, na sede de ganhar tempo e dinheiro, se engasgasse com o venenoso líquido da ausência de amor, a anestésica bebida da indiferença social. Nem todos se sentem assim, é claro! Porém, o maior engano é sempre o autoengano.

Carente de solidariedade – do que é sólido –, muitos de nós nos assemelhamos a um copo de bar que, sentindo-se vazio em si mesmo, busca preencher-se com qualquer coisa e, na falta de verdadeiras alegrias, aceita a qualquer custo o primeiro prazer que lhe faça esquecer as dores. Assim, porque geralmente não nos percebemos espiritualmente, nem a nós nem aos outros, escondemo-nos nos bares da vida e embriagamo-nos de superficialidades artificiais: o filme em cartaz, a (o) garota (o) da semana, a moda do mês etc. Inconscientemente, tragando a insípida, inodora e invisível sensação de tristeza cotidiana, muitas vezes, é isso o que nos diverte os fins de semana em grupo de amigos, o que nos dá sentido ao cansaço acumulado da profissão e tudo o mais. É como se diz por aí: “– a gente bebe pra esquecer!” Tal vazio interior é algo semelhante à sede da água salgada do mar, que mesmo dela se bebendo em grandes quantidades, nos enchendo de excessos, permanecemos com a nítida sensação de imenso vazio e insuportável peso de viver sem propósito.

É bem verdade que poderíamos justificar a crise de nossa época repetindo as velhas teorias econômicas e políticas de má distribuição de rendas, falência do ensino público, corrupção das lideranças políticas, ou mesmo aquietando nossa angústia interior com simples pensamento de que é a vontade de Deus etc. No entanto, é necessário ir mais além… Devemos entender precisamente, no alcance dos nossos limites, a complexidade do problema que nos aflige e começar a ver a possibilidade de criar um novo estilo de vida mais saudável, que nos faça verdadeiramente felizes ou melhores. É bom que se diga: felicidade não é um argumento biológico que se coincide com o prazer, contrário à dor. Não poucas vezes, é o sofrimento da luta que nos alegra a vitória. Felicidade é um mistério subjetivo à esquina do que não sabemos, mas, sobretudo é uma forma de realização, isto é: uma força capaz de tornar real. Porque não é fruta do desejo, é puro merecimento.

Em algum momento da história de nossa civilização perdemos o sentido de união com a natureza e hoje acreditamos que podemos depredá-la sem que isso nos afete. O ser humano se julgou livre para fazer qualquer coisa desde quando acreditou poder reduzir tudo ao seu controle e às suas ambições. Mas, assim, ele perdeu sua liberdade e transformou-se num escravo da própria cobiça. Sem que ele mesmo percebesse, transformou-se numa peça útil, mas descartável da nossa sociedade capitalista e competidora. Como resultado dos avanços econômicos, políticos e tecnológicos, de uma maneira desequilibrada e desumana, a ideia do sucesso na sociedade atual é, quase sempre, o mesmo que miséria moral. A violência, a fome e a ignorância são os fantasmas que aterrorizam e contornam aqueles que se julgam vitoriosos pela ganância e superiores pela força.

De tudo que nos amedronta, fantasias e ladrões, certamente há algo que muito mais nos causa medo e nos faz levantar as áridas defesas do ataque indiscriminado: é o trágico fato de que certas ideias ou doutrinas filosóficas deixam uma funda possibilidade de escolha real para o homem. A consciência profunda não só liberta como obriga à libertação. Se não escolhermos também não teremos que agir com nosso próprio esforço. No meio universitário, que é morada de ideias, o medo à liberdade se revela no conforto da inação estudantil, no sentimento contraditório, mas preferível, da obediência às vontades alheias. Não se trata aqui de uma simples preguiça de estudar, aceitando o mundo como ele é, feito um cão tolerado na calçada; nem da tendência, ou do vício, de sempre nos considerarmos melhor que a média, culpando o desempenho dos outros. Ainda hoje, uma das questões mais fundamentais é o que Sartre chamou de má-fé: uma mentira para si mesmo, a máscara de uma verdade desagradável. Segundo o filósofo francês – em cada um de nós – aquele que engana sabe a verdade que lhe é mascarada quando é por sua vez enganado. E porque essa verdade dói e cobra, ambos se cumprimentam fazendo um do outro espelho de vaidades. Aos que se demoram no lustre acadêmico do querido ego, a vida passa rápido: envelhece a todos, amadurece poucos. Em muito na educação chamada de “nível superior”, perde-se a ética pela cosmética e ninguém mais olha nos olhos, face a face com amor.

Segundo algumas reflexões psicanalíticas, de praxe, é natural à criança a dificuldade em tornar-se adulta, em assumir responsabilidades quando suas condições físicas e psíquicas ainda não lhe permitem isso. Todavia, nossas próprias emoções se tornam desnecessariamente difíceis de serem por nós mesmos reconhecidas quando a vida nos reclama responsabilidades próprias de adultos e, uma vez adultos, continuamos retidos na infantil condição de a tudo experimentar como se o mundo fosse uma grande mamadeira e nossas forças robustecidas servissem exclusivamente para exigir. Se a criança não é satisfeita ela chora, pois é tudo o que pode sua frágil condição humana. O mesmo não se dá com o adulto infantilizado – lembrando que numa sociedade de descontentes, segundo Freud, somos quase todos dessa forma –, porque ao desenvolver sua musculatura física e no enrijecer a força autoritária de seus dogmas, esse adulto não chora, contudo obriga os outros a satisfazerem sua vontade egoísta e nem sempre de forma inconsciente. A preguiça, tornando-se maior que a inteligência, leva as pessoas ao absurdo de escolherem a vergonha de se sujeitarem às injustiças que dizem sofrer pelas autoridades anunciadas a terem que embatê-las nas Instituições a que pertencem. Aparentemente é mais fácil criticar que agir. Se a mamadeira social estiver pronta, ainda que cara demais, melhor pagar-lhe o preço da obediência disfarçada sob o discurso de que “ninguém manda em mim”, do que conquistar o próprio mérito.

A ironia é que ninguém obedece ilimitadamente por muito tempo sem receber alguma vantagem na submissão. De certo modo, não é verdade que quem reclama muito faz pouco, visto que um universitário pode ser capaz de passar a vida inteira trabalhando para manter-se escravo de seu discurso de vítima, desde que sempre receba sua mamadeira de recompensa. Para Freud, podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio. O leite imaturo das ansiedades infantis, tão avidamente desejado pela fome de servidão voluntária, é encontrado, por exemplo, na formação escolar com a moral do aluno bonzinho que reclama, mas obedece sem questionar o professor e à instituição, desde que receba deles uma gorda nota com o título de aprovado e sabedor da matéria. Porém, como então justificar o comportamento de submissão voluntária, de falar e não transformar quando se refere àquele aluno que sai reprovado e sentindo-se humilhado como pessoa na avaliação sofrida? Ora, ausentar-se das próprias responsabilidades que o fazem adulto é também recompensado na postura inversa de procurar sujeitar outro, buscando aliviar as dores de uma impotência, na ilusão de ser mais forte que alguém. A exemplo, basta observar aquele que reclama ser chamado de “burro” pelo professor, no entanto adora ridicularizar o colega quando este comete o pecado de falar errado e como se a universidade não fosse o lugar por excelência da ignorância como uma condição legítima de aprendizagem, aliás, sem a qual nada justificaria o esforço do querer saber.

O bom universitário, na verdade, é um ignorante sem culpas, um aprendiz como o mestre Sócrates, que sabia que nada sabia e, por isso mesmo, nunca deixou de questionar, perguntando aos seus discípulos o que ele também procurava aprender. Ele, que fora considerado pelos seus conterrâneos o homem mais sábio da Terra, era curiosamente o mais humilde. E na medida em que isso é uma verdade, o bom professor se caracteriza como um educador lúcido, sem absolutas certezas. Porque a aula não acontece na antessala do mundo, não se prepara pra vida. No fim, sábio não é aquele que sabe, mas o que aprende a recomeçar. Não raro, para quem leciona, o esforço de convencer os outros é também o de encontrar novas soluções a antigos problemas. A beleza disso tudo versa na lembrança saudosa de Cora Coralina, quando escreveu: “feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

É verdade que muitos alunos não sentem quaisquer formas de sofrimento nos seus tempos de universitários. Há os que não se incomodam com nada, indiferentes a tudo, porém quase sempre tais alunos vivem ansiosos pela busca de mais uma rápida sensação passageira de prazer, e esse vício de uma geração oculta consigo um fundo amargor de impotência. Alguns até parecem que vão para a universidade como se fosse para uma festa, sem compromissos. E se não há problemas decorrentes da imaturidade no agir, por que haveria alguém de procurar soluções na universidade? Como se bem sabe, numa época em que não somos felizes, mas divertidos, geralmente tudo o que não for doce aos prazeres e não esteja na conformidade da preguiça individual de pensar e agir por si próprio nos mete medo e nos compele às acusações sociais, como se uma palavra abstrata “sociedade” fosse absolutamente culpada por nossas limitações pessoais. O resultado dessa má-fé, raramente percebida, é o estereotipo, a desculpa comum: “culpados são os outros”. Mas, quando alguém se afasta da responsabilidade que lhe cabe junto à humanidade mais próxima, culpar alguém é não mais que acusar alguém de cumplicidade, porque a culpa é irmã gêmea da acusação. Lugar comum, cedo ou mais tarde a culpa retorna ao acusador, porque quando nós escolhemos algo, ao mesmo tempo lhe conferimos o valor do que estamos escolhendo. Recontextualizando as palavras de outro filósofo francês, Merlau Ponty, o mundo que o olho vê está na perspectiva do olho que vê o mundo. Não podemos, com isso, afirmar ser o objeto da nossa escolha um valor totalmente mau, sem condenar o próprio olhar. Nessa relação mútua, desnecessariamente difícil, entre professores e alunos, sempre acusando as falhas alheias, ninguém se furta à doce e poderosa sabedoria de um antigo e esquecido rabi da Galileia, quando disse que a boca fala do que o coração está cheio. Relembrando, tudo é uma questão de saber avaliar o problema certo que se oculta; não obstante, a própria avaliação universitária seja um grande problema. Julgar o saber é saber julgar.

Costumeiramente, enfatizam-se tão somente os resultados de um processo e não o percurso dele. É como pretender atingir um fim independente dos meios, corretos ou não. Dessa forma, a poucos é fácil saber que avaliar significa basicamente diagnosticar, verificar as dificuldades e obstáculos na realização da tarefa pedagógica de ensino-aprendizagem com o fim de superá-los ou reconhecê-los dentro de nossos próprios limites. Como tem sido habitual, a avaliação tem se incumbido meramente de constatar, tão somente apenas ao fim de um semestre letivo, se os objetivos estabelecidos foram alcançados. Numa analogia, seria como verificar que o estepe de um carro não está bom quando já não há tempo e condições de ajustes …na estrada!

Portanto, o resultado de assim avaliar torna-se sinônimo de punição. Para o aluno, ele tão somente descobre que não está apto, que precisa melhorar, sabe como e o quanto, mas não pode fazer nada. Ao professor, resta-lhe apenas a constatação e, se tomado de valores ético-pedagógicos, o constrangimento de que se pudesse reconduzir o processo, saberia como fazê-lo, pois sabe muito bem o que faltou no seu alunado… quando o curso já acabou. Assim, corre-se o risco de, no desespero da última hora, querer o aluno recuperar a nota e não conteúdo. Não por menos, a “cola” talvez se justifique para o alunado como uma tentativa de libertação aos mecanismos de vigilância e punição que mantém o totalitarismo institucionalizado e pseudodemocrático. A depender das circunstâncias, poderia até ser devidamente renomeada para o nome de “pesquisa” – seja antes, durante ou depois da avaliação. Coibir a “cola” é antes tratar de um sintoma que de uma causa. Necessário, mas não o suficiente.

Dito isso, justifica-se recolocar o conceito de avaliação em seu estatuto devido, não como a ênfase de ensino sob a tutela do professor, mas uma avaliação centrada na relação professor-aluno, ou seja, como um instrumento de medida de redirecionamento das forças promotoras do aprendizado em tempo hábil e sem estresse desnecessário. Tais forças podem ser observadas na universidade pelo viés de avaliação a) do conteúdo, b) da criticidade e c) da criatividade.

O que é mais comum é o enfoque à pura avaliação do chamado “conteúdo em si”, carregando o termo de grandes equívocos filosóficos, entendendo que as teorias estudadas referem-se ao real como algo absoluto e independente da percepção, crítica e ressignificação de quem as apreendem. Fenomenologicamente, só existe um conteúdo se a mente/corpo dele o percebe. Não se pode ensinar algo a alguém, fazê-lo pensar a respeito e ainda lhe verificar o conhecimento adquirido, como se este alguém não existisse. A percepção da realidade é função do seu estado de consciência. Razão disso, o ensino transformar-se-ia em simples repasse de informações, facilmente esquecida ao término do curso ou da disciplina. Neste caso, a avaliação privilegiaria a memória ou, nos nossos modelos costumeiros de prova escrita ou oral, a capacidade de meramente responder a perguntas e, portanto, de obedecer aos discursos institucionais. Fato é que o desenvolvimento exclusivo de dar respostas, fugindo à problematização crítica, à necessidade de contextualizar, interpretar e até de reformular as perguntas, refletiria não mais que os objetivos nascidos da intenção de ensinar para formar profissionais obedientes; formar “mão-de-obra” e não “cérebros pensantes”. Pior é o equívoco do alunado em crer que sabe de fato uma matéria, conquanto seu saber seja efêmero e repetitivo.

A criticidade e a criatividade devem, por isso mesmo, ser as ênfases do processo de avaliação, com o fito de verificar se a inteligência, a motivação e estímulos de superação dos próprios limites do alunado se encontram em desenvolvimento equilibrado. O professor deve valorizar primariamente toda evolução e ânimo desse aluno em superar suas frustrações de aprendizagem e raciocínio acadêmico. Isto é, seria antipedagógico o professor exigir na avaliação mais do que ele se esforçou, com relativo êxito reconhecido pela maioria e, sobretudo com autocrítica, em desenvolver no aluno a capacidade de motivar-se e persistir ante as dificuldades de crescimento.

Sobre o título de nota em avaliação justifica-se uma reflexão sobre a perda da noção de conceito. O recurso didático da matemática de uma média ou de um valor de classificação básico de “qualificado” ou “desqualificado” parece há muito ter confundido o sentido instrumental que lhe é próprio, enquanto meio e não fim de avaliação. O que se observa é que para grande parte de nossas Instituições de Ensino Superior o número-nota é mais importante que o diagnóstico do processo de aprendizagem, forçando o professor a embater uma burocracia, por vezes insuperável, para dar seu parecer como agente desse processo. A exemplo, em nada distante do nosso cotidiano, uma pergunta: como justificar ao alunado que está ou não qualificado por motivo de décimos de pontos? Não seria mais justo que ele seja simplesmente “não-qualificado” por razões mais facilmente justificáveis na autonomia de um professor que acompanhou seu aluno por um semestre em sala? Quando o número torna-se um valor qualitativo em si mesmo, por trágico equívoco para a educação, fica absurdo comparar valores com valores e querer justificar uma avaliação dessa forma: puramente abstrata. Evidente para poucos a verdade do fato que, quase sempre, essa avaliação é puro autoritarismo mascarado em objetividade. Com efeito, alunos e também professores muitas vezes acreditam que alguém não foi aprovado para um nível superior da grade curricular tão somente porque não conseguiu somar a quantidade de décimos ou números inteiros suficientes.

Dito isso, ainda é lamentável ouvir um aluno pedir pontos para sua aprovação e não a aprendizagem das questões que ainda não soube compreendê-las. E bem melhor, com certeza, será quando não houver vergonha ou medo (nem acusação de professores infelizes) de nenhum aluno em dividir seus erros, nas primeiras avaliações, com seus professores, afim destes lhes ajudar. Quando se quer aprender, nota é de somenos importância, tanto ao professor quanto ao aluno. Afinal, se uma das funções da nota é reconhecer o mérito da aprendizagem, qual deveria ser a nota de alguém que se saiu mal na primeira avaliação, mas aprendeu com seus erros estudando de novo a matéria dada, se as avaliações futuras mudassem de conteúdo? É preciso pensar muito e reaprender sempre. Avaliação é um exercício de humildade, isto é, aprender com os erros; e na falta alheia mostrar irmandade com quem somenos importa saber quem é professor ou aluno. A grandeza de julgar não pode ser inferior à compaixão de quem antes se dispôs a servir. Educar é isso…

São por essas razões que se faz necessário criar urgentemente em nossas universidades brasileiras um novo tipo de educação terapêutica. O ensino da competência humana, através de um novo didatismo filosófico que objetive ajudar as pessoas a se tornarem responsáveis; que ajude as pessoas a, pelo menos, serem menos coisas e mais humanas, isto é, a darem respostas coerentes aos conflitos internos e coletivos. Uma filosofia nova não pelas doutrinas, mas pela qualidade prática ou vivencial das teorias enquanto empregadas às reais possibilidades de levar o alunado a ser feliz no “mundo da vida”. A filosofia de viver em paz só se aprende ensinando, ou seja, buscando em si mesmo o que há de bom para todos, já que as diferenças não são erros naturais. Vale descobrir que tudo o que esperamos da vida não é mais para ser achado, mas antes para ser feito; que a filosofia tem a linda missão de amizade para com o infinito espetáculo da vida.

Ainda que em algum lugar, em nobres e preciosas exceções, existam religiosos de alta grandeza, empresários humanistas, homens simples e bondosos, cientistas e artistas admiráveis… enfim, pessoas com lucidez na consciência e amor nas ações, é imperioso que nós outros, os professores de filosofia, também nos enobreçamos com o justo esforço de recuperarmos a sabedoria do amor e o amor à sabedoria, fazendo da atividade filosófica um tipo especial de educação, capaz de auxiliar alguém a realizar suas potencialidades intrínsecas, isto é, a tornar seus sonhos de humanidade mais reais.

Ser educado, portanto, é mais que se comportar bem na frente dos outros. Educar, que literalmente quer dizer “trazer para fora”, resulta em existência e é precisamente essa a missão que nos cabe enquanto educadores: orientar a atividade filosófica à transformação do indivíduo. O professor, apaixonado por estudos, talvez não seja mais que o melhor aluno da sala, aquele que ensina a aprender. O amor tem essa estranha contradição: só guarda o que doa. Quem muito recebeu da vida soube também a caridade de receber os outros. Esse é o valor pedagógico e terapêutico da filosofia: cuidar do ser.